Disponibilização: Quarta-feira, 16 de Abril de 2014
Caderno 2: Judiciário
Fortaleza, Ano IV - Edição 946
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2.3 – DA AUTORIA
2.3.1 – DA AMEAÇA (art. 147, do CP)
O Código Penal em seu artigo 147 tipifica que ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de lhe causar mal injusto e grave tem pena prevista de detenção de um a seis meses ou multa, vejamos:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e
grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Protege-se com o presente dispositivo a liberdade psíquica da vítima, uma vez que a ameaça tolhe ou de certa forma
suprime durante certo período a livre manifestação de vontade da mesma, que sofre intimidação através do prenúncio da prática
de mal injusto e grave por parte do agressor.
Assim sendo, a ameaça atinge a liberdade interna da vítima, na medida de que a promessa de um mal gera temor na
mesma que passa a não agir conforme a sua livre vontade, influenciando no animo do ameaçado, fazendo com que se sinta
menos livre, ou até mesmo abstenha-se de fazer certas coisas que faria normalmente em seu cotidiano.
A agitação que a ameaça desperta no espírito da vítima restringe a faculdade de refletir placidamente e deliberar por livre
vontade, impedindo, como dito, a prática de certos atos, ao mesmo tempo em que obriga a outros de prevenção e cautela, e daí
resulta uma constrição, quer da liberdade externa quer da liberdade interna.
Os meios de execução do crime são os explicitados na lei, quais sejam: mediante palavras, por telefone, escritos,
por correspondência, e-mail, gestos, apontar uma arma de fogo, ou qualquer outro meio simbólico, enviar uma faca em
uma caixa de presente para a vítima, por exemplo.
A ameaça pode ser direta, ou seja, contra a própria vítima, ou indireta, contra o filho da vítima, por exemplo. Pode ainda,
ser explícita, quando manifestada de forma clara e induvidosa ou implícita quando se pode perceber pelo comportamento,
gestos ou palavras do criminoso, ou, ainda, condicional, quando o mal prometido depender de um acontecimento futuro.
O mal injusto e grave são elementos normativos do tipo penal, sendo, dessa forma, requisitos legais que o mal
prenunciado seja injusto e grave, pois, a sua ausência acarreta a atipicidade da conduta, ou seja, o fato não se amolda ao
tipo penal. Como mal injusto pode se citar a ameaça de seqüestro, uma vez que o mal anunciado é injusto, pois ninguém tem o
direito de seqüestrar alguém. Quanto ao fato de ser grave, trata-se aqui da extensão do dano, devendo o mal anunciado ser de
importância capital para a vítima, seja no âmbito econômico, físico ou moral, de modo que seja capaz de intimidá-la.
Importante destacar que o mal prometido deve ser por meio idôneo a causar intimidação, uma vez que o poder
intimidatório da ameaça deve ser avaliado conforme as circunstancias pessoais da vítima (físicas ou psíquicas), ou seja,
conforme menciona Fernando Capez, em sua obra Curso de Direito Penal, parte especial, 5 edição, da Editora Saraiva, se eu
disser a um lutador de boxe que vou lhe dar uma surra, no mínimo ele vai achar engraçado, ou seja não há um meio idôneo a
lhe intimidar, diferente de apontar uma arma de fogo.
O crime de ameaça é de ação pública condicionada à representação da vítima, ou seja, a ação penal é de iniciativa
pública, incumbindo ao Ministério Público propô-la, contudo, depende da autorização do ofendido ou de seu representante legal,
o qual deverá exercer o seu direito no prazo decadencial de seis meses, contados do dia em que vier, a saber, quem é o autor
do crime, conforme previsto no art. 38 do Código de Processo Penal.
Ainda, por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, incide os aplicativos da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados
Especiais, podendo se aplicar a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 do referido diploma legal, salvo se o
crime de ameaça for no âmbito da violência doméstica (art. 41, da Lei nº 11.340/2006), uma vez que vedado a aplicação
dos dispositivos da Lei dos Juizados Especiais.
Postas essas breves considerações acerca do delito, passar-se-á ao cotejo dos elementos de prova coligido aos autos com
os fatos imputados na peça delatória, máxime quanto à autoria e à materialidade delitiva.
Não há dúvidas da autoria dos fatos descritos na exordial, pois restou demonstrado que o acusado intimidava e atemorizava
a vítima de mal injusto e grave, prometendo-lhe dar “uma pisa”, “quebrar-lhe as pernas”, cozinhá-la em uma panela de pressão”,
além de outras promessas de agredi-la fisicamente, e, acreditando nas ameaças, ligava imediatamente para a polícia (fls.87).
Confirmou a vítima WANDERLEIA MINEL JOVINO em seu depoimento (fl. 123) “os fatos narrados na denúncia, bem como os
outros depoimentos prestados perante a representante do Ministério Público, acostados às fls. 06,16,46,89,95 e 106, frisando
que sofreu inúmeros atos de agressão, ameaça e perturbação por parte do acusado”
A testemunha CLAUDIA MARIA DOS SANTOS, em seu depoimento judicial (fl. 123), declarou:
“(…) que quando trabalhou na casa da vítima como babá presenciou pelo menos três vezes o acusado ir até a casa da vitima
de madrugada ou pela manhã pedindo para entrar e que frequentemente a vitima chegava alterada em casa dizendo que o
acusado tinha ido lhe perturbar no trabalho”
Quanto à negativa de autoria alegada pelo acusado do crime de ameaça, atribuindo que seu comportamento é decorrente
da dependência alcoólica, não procedem tais argumentos, uma vez que a embriaguez, em regra, não retira das pessoas a
total capacidade de entendimento e autodeterminação, e, com efeito, a hipótese dos autos induvidosamente não é caso de
embriaguez fortuita. Assim, considerando que a embriaguez voluntária, sequer diminui a culpabilidade do agente, afasto a
ilicitude prevista no art. 28 do Código Penal.
Outro não é o entendimento jurisprudencial
APELAÇÃO CRIMINAL - AMEAÇA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AUTORIA COMPROVADA - EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA AUSÊNCIA DE DOLO - INOCORRÊNCIA - CONDENAÇÃO MANTIDA - 01 - Estando demonstrada a autoria do delito de ameaça
no ambiente familiar, não há falar em absolvição por encontrar-se o agente em estado de embriaguez voluntária, eis que
esta não tem o condão de excluir o dolo caracterizador do tipo.” (TJMG. Proc. Nº 1.0223.08.254611-8/001 - numeração única:
2546118-38.2008.8.13.0223. Rel. Des. FORTUNA GRION. data da publicação do acórdão: 26/03/2010)
“(...) A embriaguez não descaracteriza a gravidade da ameaça proferida severamente contra a vítima, logrando infundir-lhe
temor e inquietação. (...)” (TJMG. Proc. Nº 1.0049.08.014265-3/001 - numeração única: 0142653-60.2008.8.13.0049. Rel. Des.
HÉLCIO VALENTIM. data da publicação do acórdão: 19/03/2010)
Não obstante a vítima ter perdoado o acusado, entendo que o delito restou devidamente configurado, já que categoricamente
afirmou não pretender voltar a morar com ele, devido aos inúmeros atos de agressão, ameaça e pertubação sofridos, cabendo
ressaltar que a ameaça atinge a liberdade interna da pessoa, gerando um temor na vítima que passa a não agir conforme a sua
livre vontade, pois, em virtude do medo que lhe foi incutido pelo acusado, a vítima veio a mudar de residência, já que ele não
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º